Revirando as gavetas, achei finalmente esta foto... da minha adolescência "rebelde". Depois tenho que mandar para a Ada. Sobre este incidente, eu escrevi, há alguns anos:
Um novembro em Paris. Os estudantes secundaristas tomam conta da Cidade Luz. Levantam-se contra o projeto educacional de Jacques Chirac.
Eu estava em uma das colunas de manifestantes que marchavam pela capital. Cursava então a classe de seconde do Liceu François Villon, um estabelecimento público dos menos renomados. Creio que quarenta por cento dos alunos eram filhos de imigrantes pobres de lugares tão díspares quanto o Irã, a China, a Polônia e o Vietnã. Ainda assim, na democracia francesa, poucos ousavam questionar o direito deles tomarem as ruas naquele dia.
Nas manifestações, alguns de nós tinhamos funções especiais. Um grupo com braçadeiras brancas respondia pela segurança, impedindo que agitadores alienígenas se infiltrassem. Naquele dia eu era um balizador (vide foto). Minha missão era interromper o tráfego das ruas transversais para viabilizar o avanço da massa. De repente a coluna se viu diante do presídio de “La Santé”. Lembro-me imprecisamente de um muro alto atrás do qual se via uma grande fachada salpicada de janelas com grades.
Sob a orientação de seus líderes a longa serpente humana interrompeu o passo e começou a gritar:
“La Santé avec nous ! Vos enfants sont concernés !
(La Santé conosco, seus filhos estão envolvidos !)
A fachada sombria, por tantos anos em silêncio, não demorou a responder. De dentro os homens bateram as canecas nas grades e piscaram as luzes de suas celas. Aquela malta enjaulada juntava-se a nós e nós agora a amávamos como se não tivesse mais pecados. Respondera talvez por seus filhos ou talvez pela oportunidade de expressar alguma coisa através daquelas barras de ferro.
Alguns dias depois, na madrugada de 6 de dezembro, a polícia francesa assassinou à golpes de cassetete o estudante Malik Oussekine. Ele nem mesmo fazia parte das manifestações, mas foi confundido com um grupo que fugira da repressão policial. Foi pego tentando entrar em seu edifício e morreu no hall. Número 10 da rua Monsegneur le Prince. Ironicamente, seu nome significa príncipe, em árabe. Rebatizamos então a rua de “Monsegneur le Prince Malik”, a cobrimos com flores e bilhetes de revolta, para depois irmos à porta da prefeitura gritar:
“Malik est mort, assassiné !”
No dia 8 o projeto do governo foi retirado e dois dias depois sepultamos simbolicamente nosso mártir. No peito, por alguns dias, levamos o lema “Plus jamais ça!” E eu, que poucas semanas antes iniciara um curioso romance, já não podia mais ver na bela parisiense algo que pudesse se comparar às emoções da “primavera de novembro”.
Eu estava em uma das colunas de manifestantes que marchavam pela capital. Cursava então a classe de seconde do Liceu François Villon, um estabelecimento público dos menos renomados. Creio que quarenta por cento dos alunos eram filhos de imigrantes pobres de lugares tão díspares quanto o Irã, a China, a Polônia e o Vietnã. Ainda assim, na democracia francesa, poucos ousavam questionar o direito deles tomarem as ruas naquele dia.
Nas manifestações, alguns de nós tinhamos funções especiais. Um grupo com braçadeiras brancas respondia pela segurança, impedindo que agitadores alienígenas se infiltrassem. Naquele dia eu era um balizador (vide foto). Minha missão era interromper o tráfego das ruas transversais para viabilizar o avanço da massa. De repente a coluna se viu diante do presídio de “La Santé”. Lembro-me imprecisamente de um muro alto atrás do qual se via uma grande fachada salpicada de janelas com grades.
Sob a orientação de seus líderes a longa serpente humana interrompeu o passo e começou a gritar:
“La Santé avec nous ! Vos enfants sont concernés !
(La Santé conosco, seus filhos estão envolvidos !)
A fachada sombria, por tantos anos em silêncio, não demorou a responder. De dentro os homens bateram as canecas nas grades e piscaram as luzes de suas celas. Aquela malta enjaulada juntava-se a nós e nós agora a amávamos como se não tivesse mais pecados. Respondera talvez por seus filhos ou talvez pela oportunidade de expressar alguma coisa através daquelas barras de ferro.
Alguns dias depois, na madrugada de 6 de dezembro, a polícia francesa assassinou à golpes de cassetete o estudante Malik Oussekine. Ele nem mesmo fazia parte das manifestações, mas foi confundido com um grupo que fugira da repressão policial. Foi pego tentando entrar em seu edifício e morreu no hall. Número 10 da rua Monsegneur le Prince. Ironicamente, seu nome significa príncipe, em árabe. Rebatizamos então a rua de “Monsegneur le Prince Malik”, a cobrimos com flores e bilhetes de revolta, para depois irmos à porta da prefeitura gritar:
“Malik est mort, assassiné !”
No dia 8 o projeto do governo foi retirado e dois dias depois sepultamos simbolicamente nosso mártir. No peito, por alguns dias, levamos o lema “Plus jamais ça!” E eu, que poucas semanas antes iniciara um curioso romance, já não podia mais ver na bela parisiense algo que pudesse se comparar às emoções da “primavera de novembro”.
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